Cada Passo – Da performance às cores botânicas

Arte têxtil Cada Passo obra de Fernanda Mascarenhas

Algumas vezes os caminhos são retos, lisos, monótonos. Mas na maioria das vezes eles são trilhas sinuosas, cheias de subidas e descidas, não sabemos ao certo aonde vamos parar. E aí está o encanto: podemos parar para observar a beleza das flores e aprender com cada pessoa que cruzamos ao percorrê-lo.

Meu caminho até o tingimento natural começou com Cada Passo, obra têxtil cheia de história que é resultado da performance de mesmo nome. Hoje ela está em exposição no The Festival of Quilts, tradicional festival de Birmingham na Inglaterra, que este ano, por razão da pandemia, foi lançado em formato virtual.

Esta feliz participação internacional me deu a possibilidade de refletir sobre a importância dessa primeira obra feita inteiramente com tingimento natural no meu desenvolvimento artístico. É também uma oportunidade de agradecer aos mestres e professores que encontrei ao longo do meu caminho e que me ajudaram e me ajudam a enxergar suas belezas.

A performance Cada Passo

caminhar

respirando a terra sob os pés

é tudo que existe

aqui e agora

Cada Passo nasceu uma performance. Uma performance de dança criada em 2016, dentro do projeto Corpo de Vento contemplado no 16º Fomento à Dança de São Paulo. Ela é resultado de mais de 10 anos praticando seitai-ho e participando de projetos de pesquisa artística e performances do Núcleo Fu Bu Myo In, dirigido por Toshi Tanaka.

Seitai-ho é um conjunto de técnicas corporais criadas por Haruchika Noguchi no Japão do começo do século XX, que ajudam as pessoas a retornarem seus corpos a sabedoria da natureza – o que ele chama de ordem natural – através da energia vital, o ki.

O olhar e os ensinamentos de Toshi Tanaka sobre o seitai-ho, me guiaram em meu primeiro mergulho na cultura japonesa. Quanto mais eu estudava os katas, como posturas corporais que me predispunham a uma receptividade natural ao movimento corporal, mais eu entendia o valor do trabalho feito com nossas próprias mãos. Mais eu percebia a importância das técnicas tradicionais e artesanais que estão na base da cultura japonesa. Dessa percepção nasceu a ideia de confeccionar meu próprio figurino a partir de técnicas artesanais de tingimento natural.

A performance Cada Passo é o ponto culminante do meu processo como performer. Foi criada por mim, porém não existiria sem a direção de Toshi Tanaka e o trabalho primoroso de Angélica Figuera, Ciça Onho e Toshi Tanaka que foram pedras fundamentais na cena.

Um novo caminho aberto: as cores botânicas

Impressão botânica com gerânio, picão-preto, cosmos e folhas de mangueira

Impressão botânica com casca de cebola, hibisco, traporeaba e folha de goiabeira

Impressão botânica com eucalipto, folhas de chapéu-de-sol, goiabeira e flor seca de hibisco

Impressão botânica com folha de goiabeira

Do mergulho profundo na cultura japonesa que a criação da performance “Cada Passo” me proporcionou, brotou a semente daquilo que seria minha atividade principal desde então: o tingimento natural.

No começo, inspirada pelo meu fascínio no shibori, minhas pesquisas eram completamente autodidatas – procurava incansavelmente por tutoriais na internet e por livros sobre o assunto. Descobri a impressão botânica e me encantei. Escrevi um texto só sobre esse assunto na postagem Impressão Botânica – Técnica encantadora de tingimento natural. Não cansava de tingir amostras e mais amostras de retalhos de tecidos, que costurados a mão formariam a obra Cada Passo. Nas fotos acima o registro de alguns. Folhas de goiaba, cosmos, hibisco, casca de cebola, camarão, eucalipto, chapéu-de-sol, gerânio, dente-de-leão são algumas das plantas que usei nos retalhos das fotos. Colhia as plantas pela ruas de São Paulo e no incrível jardim da Casa do Sertanista, local que serviu de palco para a performance.

Casa do Sertanista e seu bosque de araucárias: uma construção de paredes de taipa de pilão de meados do século XVII que hoje funciona como Museu.

Detalhe do figurino de Cada Passo.

A costura da obra Cada Passo, feita a mão, foi inspirada na costura dos mantos dos monges budistas. Durante as apresentações da performance, soube que existe um bordado japonês chamado sashiko. Seu ponto é corrido com um alinhavo – exatamente o que usei na obra – e era utilizado para unir retalhos de tecido velhos criando roupas novas para as pessoas pobres no Japão. Com certeza um novo e lindo caminho de abria para mim: e quanta coisa incrível para aprender!

Dômo arigatô gozaimashita!

Depois da apresentação de Cada Passo, Fernada Mascarenhas com Dosho Saikawa Roshi, Hisako Kawakami e Toshi Tanaka

Esta foto foi tirada no dia 17 de abril de 2016 logo após a apresentação de Cada Passo e é o retrato do meu profundo agradecimento ao meu mestre e professores. Na extrema esquerda, Hisako Kawakami, minha querida sensei de tingimento natural. A minha esquerda, Dosho Saikawa Roshi, meu mestre zen-budista de toda a vida. E a minha direita, Toshi Tanaka, que foi meu professor de seitai-ho por 12 anos e diretor de “Cada Passo”. Com eles aprendi a importância capital daqueles que trilharam os caminhos antes de nós e de nossos ancestrais.

A obra Cada Passo teve, e continua tendo, uma trajetória muito feliz. No mesmo ano da apresentação da performance, ela ganhou medalha de ouro na 10ª Grande Exposição de Arte Bunkyo – Sociedade Brasileira de Cultura Japonesa e Assistência Social –, em São Paulo – SP. Este prêmio me rendeu uma viagem ao Japão, onde tive a grande oportunidade de entrar em contato com as formas tradicionais japonesas de tingimento natural e tecelagem. Fiz visitas à escola Ars Shimura, da mestra artesã Fukumi Shimura, em Quioto; ao Little Indigo Museum, do artista têxtil Hiroyuki Shindo, em Miyama, e ao Jardim Botânico de Plantas Tintóreas Japonesas, em Takasaki.

Nas próximas postagens, vou fazer um diário de viagem ao Japão contando minha experiência ao visitar esses incríveis artistas japoneses. Aproveite para acompanhar o blog, se cadastrando na minha lista de e-mails, para ficar sempre por dentro das últimas postagens.

Até a próxima!

Dômo arigatô gozaimashita!

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