Qual é a primeira imagem que vem a cabeça ao escutar o termo “impressão botânica”? Se eu não soubesse nada sobre o assunto, imaginaria aquelas belíssimas ilustrações feitas por botânicos para estudar a flora. Na verdade, impressão botânica é um tipo muito especial de tingimento natural. Como o próprio nome descreve, imprimimos as cores e formas de folhas, flores, raízes, cascas e sementes diretamente sobre o tecido. É um método muito simples, onde você vai precisar basicamente de plantas, tecido, água, fogo e tempo. Impressão botânica é a alquimia das cores das plantas.
Ilustração botânica da romã (Punica granatum) reproduzida da obra Köhler’s Medizinal-Pflanzen, editada por Franz Eugen Köhler em 1883.
Impressão botânica da folha da romã sobre viscose.
Na postagem anterior, Impressão botânica – Técnica encantadora de tingimento natural, conto com mais detalhes sobre o processo em si, como surgiu e porque me encanta tanto. Se você ainda não leu, vale a pena dar uma olhada para ter uma visão mais ampla sobre a técnica da impressão botânica.
Eco-print, em inglês
O nome original desta técnica é eco-print, expressão criada por India Flint, artista têxtil australiana a quem é atribuída a sua invenção. Eco-print em inglês significa literalmente impressão ecológica. A própria India nos explica o porquê do termo:
Fazer uma “eco-print” é um processo muito simples. Economiza tempo, plantas, água e energia. Ao invés de ferver uma batelada de folhas por uma hora para depois ferver por mais uma hora as amostras de fibras para ver qual a cor resultante, trata-se somente de ferver uma única folha embrulhada em uma amostra de tecido. […] Eu disponibilizei esta técnica a todas as pessoas para que elas possam usar um método ecologicamente sustentável e potente de obtenção de cores.” (tradução livre)
As cores obtidas por India Flint em seus trabalhos traduzem a flora australiana. Tanto que uma das plantas clássicas usadas em suas “eco-prints” é o eucalipto, árvore originária da Austrália.
No início de minhas pesquisas sobre tingimento natural – que começou com a criação do figurino da performance Cada Passo em 2015 – quase toda a literatura existente sobre a eco-print, e sobre o tingimento natural em geral, era em inglês. Claro que as plantas indicadas também eram estrangeiras. Acer, gallnut, madder, logwood, weld, osage, coreopsis, um desfile de plantas que mal conhecia e imprimiam lindas cores aos tecidos. De primeira fiquei meio perdida – onde vou encontrar essas plantas por aqui?
Observando melhor, existe uma infinidade de plantas no Brasil. E muitas delas com certeza são tintórias. E apesar de tão pouca informação escrita sobre elas, vamos arregaçar as mangas para experimentar, testar, conferir e, não menos importante, se divertir. Vale miscigenar também porque, afinal, não é o que temos de mais rico em nossa cultura?
Cosmos, eucalipto, folha de goiaba e manga sobre linho.
Detalhes da obra Hagoromo.
Eucalipto, hibisco e ipê amarelo sobre algodão.
Impressão botânica bem brasileira
Não sei ao certo quem cunhou o termo “impressão botânica” em português. Provavelmente foi a estilista Flávia Aranha, uma das grandes divulgadoras do tingimento natural no Brasil. Em sua marca de mesmo nome, as roupas são todas tingidas naturalmente, quase sempre com plantas brasileiras. Adoro a sonoridade e a poesia da expressão “impressão botânica”. Ela traduz a própria beleza do processo. Principalmente quando usamos plantas encontradas aqui no Brasil.
Algumas plantas já são bem conhecidas por seu poder tintório na cozinha como o urucum, a cúrcuma e as cascas de cebola. Outras são conhecidas pelos seus chás medicinais como a macela e a quebra-pedra. E outras ainda, nascem resistentes no meio-fio das calçadas e são consideradas ervas-daninhas, porém são incríveis tintureiras como a erva-moura e o picão-preto. Existem muitas espécies que não são nativas daqui, mas se adaptaram muito bem como é o caso dos eucaliptos, grevília, casuarina e flamboyant. Algumas dessas espécies são até consideradas invasoras. Álias muitas espécies estão tão adaptadas que até parecem terem sempre vivido por aqui como a manga e a romã. E tem, como em todos os países, as plantas usadas tradicionalmente no tingimento natural, como o pau-brasil e a anileira. A lista é gigantesca. E os resultados também!
Jabuticabeira
Impressão botânica com jabuticaba, picão-preto e flores de flamboyant e butiá
Jabuticabeira
Impressão botânica com folha de goiabeira
Cafeeiro
Impressão botânica com jabuticaba, picão-preto e flores de flamboyant e butiá
A jaboticabeira e a goiabeira são plantas nativas brasileiras. O café não é nativo dessas terras, mas já está tão conectada com nossa história que é como se fosse. Os resultados impressos nos tecidos são surpreendentes. O tecido de jabuticaba – onde também coloquei picão-preto, flores de flamboyant e butiá – ganhou um tom rosado de amanhecer. A folha da goiabeira ficou bem exibida, impressa no retalho de linho. E o tecido de café – um retalho de flanela impressa com as folhas e grãos do café – coloriu um marrom matizado de um suave rosa. Isso é uma amostra microscópica da infinidade de formas e cores que podemos experimentar com nossa riquíssima flora brasileira.
A maior diversidade de plantas do mundo
Até este ano, segundo dados do programa Flora do Brasil 2020 do Instituto de Pesquisas do Jardim Botânico do Rio de Janeiro, o número de espécies catalogadas da flora brasileira é de 48.515. Este número extraordinário coloca o Brasil como o país com a maior riqueza de plantas do planeta. O artigo A maior diversidade de plantas do mundo, escrito por Carlos Fioravanti na Revista Pesquisa FAPESP, diz que quase metade dessas espécies, 43%, é endêmica, ou seja, exclusiva do território nacional. Só na Mata Atlântica, bioma em que nasci e vivo, moram 20.241 espécies. Fico quase que paralisada, com um misto de emoção e incredulidade, com tamanha riqueza que nos cerca. Tanta riqueza é proporcional ao tamanho da responsabilidade que nos cabe. E os números não param por aí. Em média, os botânicos apresentam cerca de 250 novas espécies por ano. Olha que interessante esse infográfico do mesmo artigo que mostra os vários biomas brasileiros.
Conhecer a riqueza da nossa flora e respeitá-la é fundamental para sua preservação. Acredito que meu trabalho de formiguinha, feito através da arte da impressão botânica, possa contribuir com um dedalzinho de água neste oceano. Sensibilizando pessoas a enxergar e respeitar essa diversidade de vida que a natureza nos oferece.
Impressões botânicas do picão-preto (Bidens pilosa), tapete-inglês (Polygonum capitatum) quaresmeira (Tibouchina granulosa) e joá (Solanum viarum) em retalhos de algodão, seda e viscose. Foram feitas para integrar os painéis têxteis do projeto Impressões do Rio Verde.
Não estou sozinha nesta missão: artistas têxteis espalhados pelo Brasil também semeiam essa visão. Uma delas é Nara Guichon. Artesã e ambientalista, seu trabalho é focada na reciclagem de redes de pesca de poliamida recolhidas do mar e na restauração da Mata Atlântica. Em 2019, sua coleção de tecidos intitulada “Botânica” – feitos utilizando a técnica da impressão botânica – foi premiado pelo Museu da Casa Brasileira em seu tradicional “33º Prêmio Design MCB”, na categoria têxteis. Gaúcha nascida próxima a fronteira do Uruguai, nos contou um pouquinho da sua experiência com a impressão botânica. Conheceu a técnica no Festival de Quilt e Patchwork em Birmighann Inglaterra em 2013. Começou a compartilhar a técnica no ano de 2014 em seu atelier em Florianópolis, onde trabalha hoje. Em suas palavras: “Estamparia botânica não deixa pegadas no meio ambiente e trabalha preferencialmente com plantas locais. Ganham todos.”
Concordo Nara: ganhamos todos e muito! Ganhamos beleza, olhar, respeito e sensibilidade.
A impressão botânica ao alcance de suas mãos
Impressão botânica é uma técnica muito democrática. Qualquer pessoa pode se aventurar. Você pode recolher ou colher as plantas do seu jardim ou da sua rua. Sei que no começo ficamos meio baratinados: são tantas plantas que não sabemos por onde começar. Para facilitar, fiz uma listagem por cor de algumas plantas que utilizo na página Plantas Tintórias.
É importante lembrar que, quando trabalhamos com experimentação, nada está 100% sob nosso controle. Algumas plantas podem não tingir. E outras podem tingir, porém desaparecer com o tempo e principalmente com exposição solar direta. Mesmo com o tecido certo, mordentado corretamente. Isto porque a planta não possui as substâncias que reagirão com os mordentes para agarrar na fibra do tecido como no exemplo da beterraba e da amora.
E, como não canso de observar – e admirar! –, a quantidade de plantas é extraordinária. A nossa sorte é que, como ensina India Flint, basta uma folha de cada planta e muita vontade. Para se deliciar experimentando formas, cores, texturas, cheiros e sensações com muitas e muitas impressões botânicas. E se a cor desaparecer, tinjamos novamente.
Divirta-se!
Para conhecer os produtos da minha loja que são feitos com impressão botânica, os links estão aqui:
Créditos
Fotografias de Gil Gosch, exceto as indicadas na imagem.
Sites
Flora do Brasil 2020 em construção. Jardim Botânico do Rio de Janeiro. Disponível em http://floradobrasil.jbrj.gov.br/ Acesso em 20 jun. 2020.
Bibliografia
DEAN, Jenny. Colours from nature: a dyer’s handbook. Reino Unido: Serch Press, 2009. 102p.
FLINT, India. Eco colour: botanical dyes for beautiful textiles. Fort Collins: Interweave, 2008. 238 p.
MARRONE, Luciana. Tintes naturales: técnicas ancestrales en un mundo moderno. Buenos Aires: Editorial Dunkan, 2015. 207 p.
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Gostaria mais orientação sobre decotada, % e medidas. Cinzas tem usos fantásticos. Pode me fornecer orientação?
Olá! Para fazer a decoada use 20% de cinzas e 80% de água. Deixe por uma semana e depois coe com ajuda de uma pano. Espero que ajude.